A recepção da literatura brasileira no exterior tem sido estudada no mundo acadêmico, mas ainda é umassunto pouco divulgado. Há poucas publicações que analisam a maneira como os autores brasileiros são lidos fora de seu local de produção.
Eu acabo de ser jubilada pela FLUC – Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde trabalhei por mais de três décadas. O jubileu não é espantoso quanto pensa os parceiros do oficio de educar. Não quando se pode voltar à terra natal e contemplá-la na magnitude de ações culturais, especialmente da literatura. Literatura, meu material de vivência e estudo de uma vida inteira. Literatura: jamais me canso de ti!
E é por razão de nunca me cansar que estou sempre recebendo presentes: livros, evidentemente. Dezenas chegam pelos correios, outros tantos me são regalados por amigos e parentes. Não preciso comprar-los, os livros me chegam a mim. Foi num desses tantos, que recebi, o ano passado, “Alétheia” de Clara Dawn. Li, gostei, esqueci. E esse ano dentre muitos outros que me foram regalados, recebo “Sofia búlgara e o tabuleiro da morte” também da, esquecida (por mim), Clara Dawn. Li, gostei, me incomodou. Assim eu resumo em poucas palavras a minha singela observação da obra da “concreta e inacabada” literatura Claradawniana e tentarei, por vez, dissertar na sintaxe do português brasileiro.
Clara Dawn desenvolveu um estilo literário ímpar. Com livros marcados por singularidades e inovações linguísticas, a escritora se encaixa a lista dos que incorporaram traços inéditos à literatura brasileira produzida em Goiás.
Clara Dawn desenvolveu um estilo literário ímpar. Com livros marcados por singularidades e inovações linguísticas, a escritora se encaixa a lista dos que incorporaram traços inéditos à literatura brasileira produzida em Goiás.
A ficção claradawniana se concentra nas regiões mais profundas do inconsciente, ficando em segundo plano o meio externo, pois quase tudo se resume à mente das próprias personagens. Portanto, Clara Dawn é o nome de uma tendência intimista a literatura escrita em Goiás. O ser, o estar no mundo, o intimismo formam o eixo principal de questionamentos tecidos em seus textos introspectivos de prosa-poética. Não centra sua obra no social, no romance engajado, mas sim no indivíduo e suas mais íntimas aflições, reproduzindo pensamentos das personagens.
Artifício largamente utilizado por James Joyce, Proust e, sobretudo, Virgínia Woolf. O fluxo da consciência marca indelevelmente a literatura de Clara Dawn. Tal aspecto consiste em explorar a temática psicológica de modo tão profundo que o assunto nunca é completamente explorado, ou seja, as diversas possibilidades de análise psicológicas e a complexividade da temática contribuem para a inesgotabilidade do assunto. O fluxo da consciência indefine as fronteiras entre a voz do narrador e a das personagens, de modo que reminiscências, desejos, falas e ações se misturam na narrativa num jorro desarticulado, descontínuo que tem essa desordem representada por uma estrutura sintática caótica. Assim, o pensamento simplesmente flui livremente, pois as personagens não pensam de maneira ordenada, mas sim de maneira conturbada e desconexa. Portanto, é a espontaneidade da representação do pensamento das personagens que caracteriza o caos de tal marca literária.
O monólogo interior é outro artifício utilizado por Clara Dawn que contribui para a construção da atmosfera introspectiva. Essa técnica consiste em reproduzir o pensamento da personagem que se dirige a si mesmo, ou seja, é como se o “eu” falasse pra si próprio. Registra-se, portanto, o mergulho no mundo interior da personagem, de suas crônicas, a “Neura” que revela suas próprias emoções, devaneios, impressões, dúvidas, enfim, sua verdade interior diante do contexto que lhe é posto.
Não se deve afirmar que Clara Dawn seja a pioneira no emprego da epifania na prosa da literatura de Goiás. “No sentido literário, a "epifania" é um momento privilegiado de revelação, quando acontece um evento ou incidente que "ilumina" a vida da personagem.” O que acontecia de modo peculiar e brilhante nas crônicas de Anatole Ramos e Marieta Telles. Anatole em "Fazendeiro que Dedurou os Bispos (1978)" com os flagrantes do cotidiano, os problemas, as alegrias, os protestos, os sonhos e as esperanças de todos nós e Marieta Telles Machado que era cronista por excelência, transitava pelas áreas da literatura epifânica nos anos de 1980. Não havia genialidade em ambos, eles não escreviam para a elite ou para a plebe, crônicas dirigida ou bitoladas. Apostavam na linguagem,simplesmente, compreensível para quem sabe ler, sem poses, sem afetação, pobre de hermenêutica, mas ricas de espiritualidade social.
Mas posso, assim, dizer que nos textos de Clara Dawn ela consegue impor genialismo a simplicidade e o seu objetivo maior é o momento da epifania: por meio de uma espécie de revelação (o que se dá por meio de um fato inusitado), a personagem descobre que vive num mundo absurdo, causando um desequilíbrio interior que, por sua vez, provocará uma mudança radical em sua vida ou não. Honestíssima, espirituosa, imaginosa e de raciocínio célebre, Clara salta num átimo de tempo de poetisa dos valores morais, de contador de histórias acriançadas a embaixadora da alegria e da surpresa. O fator surpresa é inevitável aos escritos de Clara Dawn
É também peculiaridade da autora a construção de textos inconclusos e outros desvios da sintaxe convencional, além da criação de alguns neologismos. Clara Dawn não adota o padrão da gramática normativa, pois tem na valorização da expressividade do texto a regra primordial de sua literatura. Assim, as frases não são feitas com o rigor gramatical e coerente, mas sim com o primor e o viço da expressão artística. Assim, podando os excessos e desconsiderando os modismos, Clara Dawn desponta entre os melhores escritores da literatura brasileira produzida em Goiás.
Clara Dawn tem uma significativa produção como cronista em periódicos regionais. Reunidas no livro “Sofia búlgara e o tabuleiro da morte”, Kelps, Goiânia, 2011. Clara escreve crônicas como num ritual romântico e fez um romance cronicamente. Que Deus me dê vida para ver Clara erguendo tijolos, colunas e teto. Parabéns. (Ensaio publicado no Diário da Manhã - Opinião Publica - página 04. Dia 23/10/2011 - Goiânia - Goiás)
*Fátima Santana é professora, jubilada, dos cursos de “História da Arte e Literatura da Língua Portuguesa” da FLUC – Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – Portugal
1 comentários:
Agradeço a publicação. Abraço afetuoso. Clara Dawn
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