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terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Entrevista com Clara Dawn - Por Rariana Pinheiro ( Na íntegra)





Entrevista com Clara Dawn - Por Rariana Pinheiro ( Na íntegra)



Hoje, às 19h30 na Casa Altamiro, a escritora Clara Dawn irá lançar seu sétimo livro – e terceiro romance –, O Cortador de Hóstias (Ed. Livres Pensadores). Se contrastando a suas duas últimas publicações, destinadas ao público infantil, e da alma leve da autora, que, segundo suas próprias palavras: “desconhece a capacidade de odiar a vida, o mundo e suas gentes”, ela embarca em uma viagem sorumbática, onde há espaço até para um pedófilo infanticida. Em, O Cortador de Hóstias, o leitor é transportado para Pirenópolis de 1918, onde as belezas arquitetônicas e naturais da cidade servem de cenários para as angústias da protagonista Flor Maria. A personagem é intensamente ferida por abusos que sofreu na infância, portanto, sua meta é nítida, desde o começo da trama: matar seu algoz. Com presteza e sensibilidade, Clara conduz ao leitor à trama densa, usando três narradores-personagens, em um quebra cabeça interessante de visões. Sobre a nova obra, inspirações, e influências, conversamos com Clara Dawn, que no bate-papo também parece abrir também a mão da parente doçura, para reclamar de mais espaço para a cultura em Goiás.

1- Como nasceu a história de O Cortador de Hóstias?  Por que escolheu  falar, por exemplo, da Pirenópolis de  1918? 

Clara Dawn: Nasceu em meados de 2010 e não se chamava O Cortador de Hóstias, o nome era O Vale das Quimeras, estava ambientado em Ouro Preto – Minas Gerais e no ano de 1975.  Era pra ser um livro com três contos longos, aparentemente distintos, mas que traziam a lume a mesma história. Um era narrado por uma mulher; outro por um homem e terceiro era o narrador observador. Se o leitor decidisse ler só um dos contos teria apenas a visão de dos narradores e assim passaria a julgar a história a partir daquele prisma. Mas se ele atentasse aos outros dois poderia compreender as vertentes por mais de um conceito. Ambos contavam a história de uma suposta sucuri, no Vale das Quimeras, que em noites sem lua arrastava crianças para o fundo do rio, mas não antes do abuso sexual. Esse formato e título já estavam bem definidos em minha mente. Até que, em 2012, numa conversa com o amigo Antônio da Mata, ele me mostrou a máquina de cortar hóstias. Quanto mais ele falava da máquina, mais eu me apaixonava por ela, com seu círculo em navalha que cortava os disquinhos de farinha de trigo e os depositavam numa gaveta sombria. Pronto! Fiquei louca pela ideia de dar voz ao meu assassino de crianças. E assim nasceu O Cortador de Hóstias, com sua voz sibilante no afã de justificar seus males. Depois disso a coisa foi tomando novos rumos e eu precisava de respaldo para compor meu personagem e o respaldo sempre, sempre... vem da poesia. É dela que busco as imagens para construir minha narrativa. É ela que acende em mim a vontade de escrever com toda a angústia que a escrita necessita. Então achei, por acaso, os versos de Érico Curado e Hugo de Carvalho Ramos e eu não acreditava no presente que o destino me dera: aqueles versos datados entre 1913 a 1917 fizeram-me levitar e, quando percebi, eu estava em Pirenópolis em 1918, divagando entre as lendas da história da cidade e principalmente sobre o mito da Santa Dica. Decidi mudar toda a ambiência e data, mas foi aí que entrei em desespero, pois em 1918 ainda não existia a máquina de cortar hóstias. Fiquei triste, eu amava a máquina, mas louvava Érico e Hugo: Ouro Preto 1975 ou Pirenópolis 1918? Venceu Pirenópolis e aí começou a labuta das pesquisas históricas e a desconstrução do Vale das Quimeras. Bem, a máquina de cortar hóstias precisou se contentar em ser uma tesoura.     



2- Seus dois últimos livros foram dedicados ao público infantil. Como foi a transição do lúdico  para esse clima tenso, misterioso e tão adulto de O Cortador de Hóstias? 

Clara Dawn: Meus dois livros de literatura para criança foram desafios de editores. Mesmo tendo formação em psicopedagogia eu nunca pensei em escrever para criança. Tenho muita facilidade em fazê-lo. Escrever para criança, para mim, é como, para Mozart, tocar seu piano. Está em mim, minha alma desconhece a capacidade de odiar a vida, o mundo e suas gentes: coisa de criança. Pediram-me para escrever e no outro dia estava pronto. Simples e alegre como fazer bolhas de sabão. Se de repente alguém me pedir para escrever para criança escreverei, mas o que me toca, o que me assassina e depois ressuscita é essa narrativa densa e ao mesmo tempo leve. Esse vai ao céu e despenca rumo ao inferno: essa coisa terrivelmente humana que nos diz quem somos. Sendo assim, não houve transição: a literatura para criança é o que eu gostaria de ser quando crescer, mas o romance é o que eu sou desde que eu nasci.





3 - Por que Flor Maria é considerada uma "Santa Dica as avessas". E como foi sua criação?  Se baseou em alguma história real?

Clara Dawn: Eu me inspirei em Santa Dica para que Flor Maria crescesse no decorrer da trama, e quem conhece a história da santa verá em Flor suas características marcantes. Também foi um presente do destino, pois Flor Maria nascera em minha mente antes mesmo de eu conhecer o mito da Benedita de Lagolândia. Elas são tão parecidas em força de caráter que a comparação foi inevitável. Mas, ao contrário de Santa Dica, Flor não é religiosa, antes possui um coração insensível às coisas sagradas por considerar que a religião extrai das pessoas o direito de pensar por si. “A ignorância é um privilégio” – diz a Flor, enquanto fala da crendice de que uma sucuri e não um homem é quem devora as crianças. Por isso ela odeia o lugar onde nasceu e seus habitantes crédulos e acomodados. Sua sina é matar o cortador de hóstias, nem que para isso tenha que incendiar a Igreja de Nossa Senhora do Rosário. (Bem, essa igreja foi incendiada de verdade, mas adianto que não foi Flor Maria, rsrs).




4- Como a experiência de Clara Dawn psicopedagoga influencia na de Clara Dawn escritora?

Clara Dawn: A psicopedagogia é linda. Eu amo ser psicopedagoga, pois ela não me influencia apenas na literatura, mas me preparou para a vida, para compreender os meus iguais e saber conviver com os meus personagens. O comportamento psicossocial de cada personagem meu é construído mediante a observação psicopedagógica que faço enquanto converso com pessoas, assisto a filmes, leio poesias e ouço músicas. A psicopegogia foi o melhor presente que eu poderia dar à Clara Dawn escritora. 




5-Você já está em seu sétimo livro. Como escritora, atua ainda no Diário da Manhã e na Revista Raízes. A vida de quem quer "viver para as letras" em Goiás é fácil?

Clara Dawn: Você fez uma pergunta um tanto retórica. Sabemos que não é fácil. Na verdade é impossível “viver” da arte, não apenas em Goiás, mas no Brasil como um todo, e a gente vê em filmes e outras meios de comunicação que não é fácil em lugar nenhum do mundo. Esse “viver” assim entre aspas é impossível mesmo: as Leis de Incentivo nos dão o mar e até as varas para pescar, mas os peixes ficam encalhados porque não há quem os venda. Eu não sei como a coisa toda funciona em outros estados, por isso não posso generalizar, mas posso falar de Goiás e tenho orgulho e vergonha: orgulho porque é terra de Hugo de Carvalho Ramos, Rosarita Fleury, Érico Curado, Marieta Teles, Cora, Yeda (e oh, céus, quantos mais contemporâneos vencedores de Jabutis e outros prêmios nacionais e internacionais)... Contudo, quando assisto à Rede Minas e à Rede Ceará, patrocinadas por seus governos e por inúmeras empresas, emissoras que passam 24 horas de programações espetaculares voltadas à educação e a cultura, onde até os telejornais são educativos; quando vejo isso, tenho vergonha de pertencer a um estado onde a cultura é vista como desnecessária. Onde programas como Frutos da Terra e Raízes Jornalismo Cultural são espoliados por uma cultura descartável e desprovida de valores artísticos e socioeducacionais.  Esta, certamente, não foi terra que  Pedro Ludovico sonhou para nós outros. “Viver”, assim, entre aspas, da arte é impossível, mas é a arte, sem aspas, que nos faz viver.  

CLIPPING – LANÇAMENTO DO LIVRO “O CORTADOR DE HÓSTIAS”

Romance

A escritora goiana Clara Dawn lança o sétimo livro e o terceiro romance da carreira, O Cortador de Hóstias, pelo selo Livres Pensadores, às 19h30 na Casa Altamiro (Av. Araguaia, nº 240, Esq. com a Rua 15, Centro). A obra será vendida no local pelo valor de R$ 35. A entrada é franca. Mais informações: 3945-4744.







O Popular - Magazine - 27/05/2015


Clara Dawn lança “O Cortador de Hóstias”

Hoje, às 19h30, na Casa Altamiro, no Centro, a escritora Clara Dawn vai lançar seu mais no livro, O Cortador de Hóstias, que sai pela Editora Livres Pensadores. Essa é a sétima obra da autora, que é psicopedagoga e atualmente atua como produtora de conteúdo da revista Raízes e diretora-executiva da editora.
A trama de O Cortador de Hóstias é ambientada na Pirenópolis de 1918, com uma história contada por três narradores-personagens e um narrador-observador. Divide-se em quatro partes: a primeira se desenrola segundo a visão da protagonista, a vingativa Flor Maria, possuída pelo ódio por causa dos abusos sexuais sofridos na infância. Ela elabora um plano para matar o seu algoz. A segunda parte traz Venceslau, que escreve cartas, jamais enviadas, para sua amada morta.
Já a terceira é a narrativa do observador, aquele que julga os atos dos personagens segundo a influência que cada um deles sofre. Para o narrador-observador, coisa alguma é o que parece ser. Por fim, a quarta parte é descolada das narrativas e fala sobre o suposto cortador de hóstias que, em um diálogo invisível com um delegado, tenta justificar seu estranho hábito de bolinar garotinhas.
Evento: Lançamento do livro O Cortador de Hóstias, de Clara Dawn
Data: Hoje, às 19h30
Local: Casa Altamiro – Av. Araguaia, nº 240, esquina com Rua 15, Centro
Preço do livro: R$ 35



Diário da Manhã – 27/05/2015


Uma “Santa Dica às avessas”

É assim que Clara Dawn descreve Flor Maria, personagem central de seu novo livro O Cortador de Hóstias. A obra será lançada hoje, na Casa Altamiro


                            Rariana Pinheiro,Da editoria DMRevista

Hoje, às 19h30 na Casa Altamiro, a escritora Clara Dawn irá lançar seu sétimo livro – e terceiro romance –, O Cortador de Hóstias (Ed. Livres Pensadores). Se contrastando a suas duas últimas publicações, destinadas ao público infantil, e da alma leve da autora, que, segundo suas próprias palavras: “desconhece a capacidade de odiar a vida, o mundo e suas gentes”, ela embarca em uma viagem sorumbática, onde há espaço até para um pedófilo infanticida. Em, O Cortador de Hóstias, o leitor é transportado para Pirenópolis de 1918, onde as belezas arquitetônicas e naturais da cidade servem de cenários para as angústias da protagonista Flor Maria. A personagem é intensamente ferida por abusos que sofreu na infância, portanto, sua meta é nítida, desde o começo da trama: matar seu algoz. Com presteza e sensibilidade, Clara conduz ao leitor à trama densa, usando três narradores-personagens, em um quebra cabeça interessante de visões. Sobre a nova obra, inspirações, e influências, conversamos com Clara Dawn, que no bate-papo também parece abrir também a mão da parente doçura, para reclamar de mais espaço para a cultura em Goiás. (Leia a entrevista na íntegra aqui...)






“De pedras e pedradas: o som e a fúria”


Fonte: Jornal Opção

“De pedras e pedradas: o som e a fúria”


Livro-DawnVALDIVINO BRAZ
Mas o que foi aquilo? Alvoroço por conta de um mero exercício do intelecto, de curiosa leitura e repasse de observações. Não somos críticos literário, não fazemos crítica, comentamos aspectos, expressamos impressões de leituras. Similitudes em literatura existem, sim, pelo mundo afora (em nós mesmos, como admitimos no artigo), e não quer dizer que este ou aquele autor está plagiando ou que não tenha talento. Não intentamos minimizar a obra de ninguém. Os temas são sempre os mesmos, universais, e mais importa o modo de cada um contar. Escritores não estão isentos, estão expostos e devem ter caixa torácica ou psicológica aberta aos ventos adversos de alguma crítica. No nosso caso, particularmente, a “fama” é que nos difama. Aos 73 anos de idade, sob patrulhamento civil e censura à livre-expressão sobre literatura!
“Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo” (frase atribuída, controversamente, a Voltaire). Tratando-se de pessoas letradas, que levamos em consideração, sugerimos que releiam, mais atentamente, o texto “De hóstias e de pedras” (caderno “Opção Cultural”, Jornal Opção 2102), no qual comentamos e especulamos sobre aspectos paralelos nos romances da escritora Clara Dawn e de Camilla Läckberg, autora sueca. Mais acuidade na leitura: perceberão que ressaltamos o talento de Clara Dawn e as qualidades de seu novo romance. O mais são conjecturas, suposições de ressonâncias (ou nada disso, como deixamos claro no artigo), sem o intento de “detonar” uma talentosa escritora. E mais: visitem o blog de Clara (www.claradawn.com) e leiam (se lá ainda se encontra) a vinheta sobre o primeiro romance, “Alétheia”, publicado por ela: “Considerado pelos escritores Edival Lourenço e Valdivino Braz, como a revelação de um novo estilo na literatura goiana”. Como, então, haveremos de boicotar ou detonar uma escritora por nós mesmos reconhecida?
E, como assim, virem dizer que boicotamos o romance de Clara, que a detonamos, e outro a insinuar que só gostamos de literatura fast food? Muito raramente lemos alguma obra deste gênero, e se lemos “O Cortador de Pedras”, de Camilla Läckberg, foi porque primeiramente estávamos a ler “O Cortador de Hóstias” (prestigiamos o lançamento da obra), de Clara Dawn, e então nos deparamos com o romance da escritora sueca nas prateleiras de um “sebo” (livros usados). Só por isso compramos o livro de Camilla Läckberg. E morremos. Se a curiosidade mata, como dizem, ponderamos que a curiosidade também é fonte de conhecimento, por temerário que seja. Não há melhor metáfora sobre o risco do conhecimento do que as páginas de livro envenenadas no romance ”O Nome da Rosa”, de Umberto Eco.
Releiam o artigo “De hóstias e de pedras”, de forma mais isenta emocionalmente (certo, amizade é coisa sagrada, e muitos que usaram o Facebook ainda nem tinham lido o romance de Clara), desprendidos de uma apressada e animosa interpretação do texto. Aqui lamentamos muito, muitíssimo, que Clara Dawn sofra por causa dos nossos incompreendidos comentários. Um texto híbrido, que redigimos, dentro do nosso costumeiro estilo (que Clara conhece bem), e alguns criticaram porque não o entenderam. Não, Clara, não nos fale em parar de escrever. Não pare, nunca! Como nos disse (a mim), via e-mail, um intelectual amigo, sobre o artigo: “Seu texto é muito bom, e valoriza o livro de Clara, inclusive ao situá-lo.” E outro, doutorando em Literatura: “Vi o seu texto, gostei muito. E você colocou em evidência o romance de Clara.” No Facebook, alguém, meio que mais ponderado, ressaltou que “cada um tem uma forma peculiar de sentir e interpretar”. Então é também isso aí.
Valdivino Braz é jornalista e escritor.

De pedras e de hóstias: conexões entre a prosa da sueca Camilla Läckberg e da goiana Clara Dawn


Fonte: Jornal Opção

De pedras e de hóstias: conexões entre a prosa da sueca Camilla Läckberg e da goiana Clara Dawn


Há no mínimo curiosas similitudes entre os romances “O Cortador de Pedras” e “O Cortador de Hóstias”
Valdivino Braz
Especial para o Jornal Opção

Em “O Cortador de Hóstias”, os fatos se narram por conta de três personagens e por um narrador fazendo às vezes de autor do livro. O romance de Clara Dawn é composto por quatro partes | Divulgação
Em “O Cortador de Hóstias”, os fatos se narram por conta de três personagens e por um narrador fazendo às vezes de autor do livro. O romance de Clara Dawn é composto por quatro partes | Divulgação
A escritora Clara Dawn traz consigo o dom da escrita, ou da escritura literária. A letra ao pé da letra, a escrita escorreita e correta para se narrar uma história e/ou tecer crônicas destacam os fios de seu talento estético. Traz senso de leveza e medida, noção do que seja subjetividade criativa, com sensibilidade poética. Sim, o cronista enquanto poeta do cotidiano, além da reflexão sobre fatos corriqueiros (ou insólitos) que se narram.
Cronistas há que escrevem apenas pelos cinquenta ou não sei quantos reais por crônicas de lauda e meia, algumas delas medíocres, para não dizer intragáveis — qualquer coisa sem alma ou empatia com os temas. Por excelência, cabe ao cronista sublinhar o contorno das coisas, o que elas tragam de interessante. Captar a essência do banal ou mesmo extrair alguma epifania das supostas insignificâncias, pois tudo significa alguma coisa. Epifania ou insight no sentido joyciano — manifestações súbitas, quer na vulgaridade do discurso ou do gesto, ou em uma fase memorável da própria mente… “São os momentos mais delicados e evanescentes” —, ou de captar a luminosidade e ser surpreendido pelas “grandezas do ínfimo”, ao jeito do poeta Manoel de Barros. Mas aqui não se trata de crônicas ou cronistas e nem de poemas, mas sim de romances.
Romancista, contista e cronista — além de pedagoga, com pós-graduação em Psicopedagogia —, Clara Dawn, com efeito, lavora no campo da literatura e publica desde 2008, ao lançar seu primeiro romance, “Alétheia” — que, em grego antigo, quer dizer verdade/realidade, ou, segundo Heidegger, após análise etimológica do termo a-letheia: a- (negação) e lethe (esquecimento): tentativa de compreensão da verdade/desvelamento. Ah, como somos pernósticos!
“O Cortador de Hóstias” é o mais recente livro de Clara Dawn, com o selo da Editora Livres Pensadores, da qual a autora é diretora-executiva, atuando também como produtora de conteúdo da revista “Raízes — Jornalismo Cultural”, que tem como editor-chefe seu marido, o jornalista Doracino Naves. Entre outros livros de Clara estão “Sofia Búlgara” e o “Tabuleiro da Morte” (crônicas), ”Castelo de Bolso” (infantil) e “Arthur o Grande Urso” (infantil).
Nuanças/sutilezas e, contudo, a diferença. Não que se esteja ou queira aqui fazer — e já fazendo — leigas especulações comparativas; instigante, todavia, a humana curiosidade a certo cotejamento/confronto de semelhanças e diferenças, similitudes, ecos ou ressonâncias. Venho de ler, paralelamente, “O Cortador de Hóstias” (154 páginas), de Clara Dawn, e “O Cortador de Pedras” (“The Stonecutter”, com 447 páginas), da escritora Camilla Läckberg — sueca, ela tem romances policiais, best-sellers, traduzidos para 35 idiomas e vendidos em 50 países.
Camilla Läckberg assina obras como “A Princesa de Gelo” (2003), “Gritos do Passado” (2004), “O Estranho” (2012), “Os Diários Secretos” (2007), “A Sombra da Sereia” (2008) e, dentre outras, “O Faroleiro” (2011) — as datas se referem aos anos de publicação na Suécia —; algumas delas traduzidas e publicadas no Brasil a partir de 2010. “O Cortador de Pedras” (“Stenhuggaren”, em sueco) foi publicada em 2005, na Suécia, e apenas (que saibamos) em 2011, no Brasil.
É de se notar que, segundo declarações de Clara Dawn à imprensa, “O Cortador de Hóstias”, primeiramente com o título “O Vale das Quimeras”, se iniciou em 2010, ambientado em Ouro Preto (MG) e no ano de 1975. Nas palavras da autora, era para ser um livro com três contos longos, aparentemente distintos, mas que traziam a lume a mesma história, narrada por diferentes personagens. A história girava em torno de uma suposta sucuri, no Vale das Quimeras, que, em noites sem lua, arrastava crianças para o fundo do rio, após abusar delas sexualmente. (Nada a ver uma coisa com outra, mas as coisas umas às outras se levam, como nos leva a sucuri, por analógica digressão nossa, à Anaconda mostrada pelo cinema ou a Yara?).
003
Senão, vejamos: sobreditos romances sob um certo rastreamento. Em 2010, Clara es­crevia “O Vale das Quimeras”. No ano se­guinte, 2011, “O Cortador de Pedras”, de Camilla Läckberg, saía publicado no Brasil; e, já em 2012, o romance de Clara Dawn, em andamento, sofre uma guinada após a conversa da autora com um amigo, que lhe apresentou a máquina de cortar hóstias. “Pronto! Fiquei louca pela ideia de dar voz ao meu assassino de crianças”, palavras de Clara à imprensa. E assim mudou-se o título do romance para “O Cortador de Hóstias”, e mudou-se o locus, de Ouro Preto, em Minas Gerais, para a Pirenópolis de 1918, em Goiás.

A autora, provavelmente, se baseia num antigo aparelho cortador de hóstias, que funcionava manualmente, por meio de prensagem e corte. Ao que se sabe, a hóstia é feita com farinha e água. A massa da hóstia — com os ingredientes misturados numa prensa quente — resulta no pão ázimo, o “Corpo de Cristo” dos católicos, sendo este cortado em vários tamanhos. Com a massa já prensada e seca, colocada na superfície do mecanismo de ferro afixada sobre a caixa de madeira do cortador, processava-se o corte e as hóstias iam caindo na gaveta do aparelho.
Consta que as aparas, sobras ou retalhos de hóstias, cheios de círculos perfurados, serviam para alimentar porcos. Meio herético ou profano, isso, não? No passado, recortavam-se as hóstias até com tesoura. Atualmente, indústrias com tecnologia moderna atendem à demanda de hóstias, com data de validade que varia de oitos meses a dois anos.
Mas, sim, prosseguindo com nossas conjecturas, o título do romance de Clara Dawn, “O Vale das Quimeras”, foi então substituído por “O Cortador de Hóstias”. Pois bem. Por suposto que Clara, nesse ínterim, entre 2010 e 2011, teria lido (ou não?) o romance de Camilla Läckberg, podendo então que o título de seu romance se tenha como ressonância de “O Cortador de Pedras”. Ou então Clara não leu o romance sueco e tenha apenas se espelhado no título de Camilla? Ou nada disso e simplesmente porque as ideias estão no ar e o novo título do romance tenha vindo ao contato de Clara com o aparelho cortador de hóstias? Não checamos isso com Clara; optamos pelo risco de exercitar a humana curiosidade e nossas (talvez improváveis) considerações.
Corrija-nos, a autora, se aqui estivermos alicerçados apenas em leigas e meras suposições, até porque “literatura comparada” (ou lá o que seja) não é nossa especialidade — para isso (abre indelicado parêntesis) temos por aí os mestres abalizados, ainda que entre eles haja algum bípede enfunado, atarracado na arrogância do saber e segundo o qual, com suas idiossincráticas e acintosas indiretas, quase tudo que se escreve em Goiás, no campo da literatura, é ruim. Crítico de quinta coluna, de bastidores e boicotes. Mal sabe do que sabemos, em nosso parco saber, até por bocas de Matildes, e do que guardamos para mais tarde, antes do advento do Apocalipse, com o asteroide em rota de colisão com a Terra. Haverá palmas e risos, choro e ranger de dentes. Antes disso, nada se conta, mas acrescentam-se dois pontos: era uma vez um enfunado, ensimesmado sapinho, que foi indo e mais se enfunou, até que, num belo dia, cheio de si, se arrebentou. (Fecha parêntesis.)
De passagem — e teremos que reler o romance de Clara, o que seguramente faremos, seja pela estrutura do romance, pela técnica literária da autora, pela linguagem e suas imagéticas, pela densidade das personagens ou pela escabrosa atmosfera do romance, enfim —, não vimos bem, na personagem Flor Maria, uma Benedicta Cypriano (dita Santa Dica, ou Dindinha) às avessas, conforme declaração da autora. Nem seria mero esboço nesse viés ao avesso da messiânica Benedicta, um fato dos anos 1920, ao passo que a história do cortador de hóstias se ambienta em 1918, dois anos antes, portanto. E não é esse o eixo do romance “O Cortador de Hóstias”. De resto, o que sabemos?
Quanto às ressonâncias, nem há por que se encrespar, são naturais em muitos escritores (em nós mesmos, admitimos), inclusive na crítica, nos contos e romances dos próprios críticos (inclusos os sapinhos). De mais a mais, não se é dono das palavras, são elas de domínio público, não exclusivas deste ou daquele autor, salvo quando elas expressam, nítida e inconfundivelmente, a forma ou estilo peculiar, inerente e criativo, ao jeito de quem as formula de modo original. Peculiaridade essa, aliás, passível de se tornar clichê estereotipado em mãos de terceiros e até banalizar e diluir autoria de ideias originais — daquele outro autor, e não de quem delas se apropria, usurpa, repete/redunda ou “mimetiza”, até de forma involuntária (pois sim!), senão que desatento ou automaticamente traído pelo inconsciente. Orai e vigiai-vos, diríamos. Ou melhor: vigiemo-nos. Numa escala classificatória de autores, Ezra Pound distingue os “mestres” (os melhores) dos apenas “bons escritores, sem qualidades proeminentes”, e distingue dos “inventores”, os meros “diluidores”, que não vão além de suas limitações, parcos recursos, mediano intelecto.
Algumas ressonâncias de supostas leituras (ou nem se trata disso) encontramos, de forma indelével, no novo romance de Clara Dawn. Ao “cortador de hóstias”, ela apõe como epíteto “o filho do diabo”, que nos lembra um título de Bukowski, e mais adiante se refere a “anjos e demônios”, ecoando romance da “onda” Dan Brown, além de dar a perceber também uma sombrazinha de influência do escabroso de pelo menos um ou dois conhecidos autores goianos, que, por sinal, já “contaminaram” prosa e poesia em Goiás, até de críticos sapinhos.
Comparativamente, há elementos e claras similitudes ou similaridades ou semelhanças (apraz-nos encadear sinônimos e aliterações) entre as estruturas e atmosferas de ambos os romances. A propósito, e por mais exemplo entre muitos outros “naturais” (como dizíamos), lendo-se o romance “A Mulher de Costas”, de Marcia Tiburi, vai-se “ouvindo”, repetidamente, que a personagem Maria José é “nascida e renascida”, adendo este que ressoa parte homonimamente intitulada no inventivo e fascinante romance “Avalovara”, de Osman Lins, em que este qualificativo (“nascida e renascida”) se aplica a uma de suas personagens.
Já o título “O Cortador de Pedras”, alusivo a um cortador de blocos de granito e escultor, não nos parece adequado a toda a trama do romance de Camilla Läckberg, salvo que por algum sentido metafórico que nos tenha escapado. Durante a leitura, fica-se focado na expectativa com esse cortador de pedras — espécie de elemento a pretexto de toda a trama —, e meio que se frustra o espectador com as revelações (maestria de Camilla), embora já viéssemos (dedutivos psicossensores) com nossas suspeitas, recaindo sobre o verdadeiro assassino,
como se confirma. (Ainda nos anos 1950, quase 1960, em Uberlândia/MG, influídos pelas histórias de crime, mistério e suspense, meio que iniciamos ou intentamos um curso de detetive particular, por correspondência, com o renomado professor Bechara Jalkh, do instituto que leva seu nome, sediado no Rio de Janeiro; e até ajudamos a polícia civil de Uberlândia nas investigações e prisão de uns golpistas e maconheiros que se hospedaram na pensão de nossa tia Rosa). O cortador de pedras, na verdade, não vem a ser o centro ou eixo na trama da escritora sueca, e não se conecta senão como involuntário leitmotiv (motivo condutor ou de ligação) com os fatos que ocorrem em Fjälbacka, pequena e idílica cidade, onde a própria Camilla Läckberg nasceu. O assassino aí se move por razões bem mais profundas, em traumas de infância enraizados no fundo do tempo, logo pertinentes ao campo da psiquiatria.

Assassinato da menina Sara (entre ou­tros), rede de pornografia infantil, pedofilia, abusos sexuais e suicídio, conflitos de v­i­zi­nhos, espancamento de mulheres, adultério, es­posas infelizes, abandono de filhos, planos de vingança, atos escabrosos e culpas do presente e do passado (entre os anos de 1924 e 1962) vão surgindo na trama de “O Cortador de Pedras”, com o crime investigado pelo detetive Patrick Hedstrom. Algo similar, em aspectos, se dá no romance de Clara Dawn. No aspecto das revelações fi­nais, é menor o impacto no romance de Cla­ra do que na trama de Camilla Läckberg, tí­pica autora de best-sellers, com obras propícias ao cinema (e o de Clara Dawn também, por que não?), como, aliás, força do gê­nero, parece ser o destino de certos best-sellers.
Estrutura, técnica narrativa, atmosfera, densidade, personagens e sondagens do ser humano. Semelhanças entre os dois romances em foco, com as respectivas diferenças que os sustêm e distingue. Em “O Cortador de Hóstias” os fatos se narram por conta de três personagens e por um narrador fazendo às vezes do autor. O romance é composto em quatro partes, a começar pela personagem Flor Maria, tomada pelo ódio e desejo de vingança por causa dos traumáticos abusos sexuais sofridos na infância. Outra parte mostra o reverendo Venceslau que escreve cartas, jamais enviadas, para sua amada (Flor Maria) supostamente morta. Cartas dentro de uma caixa que esteve enterrada durante anos, e uma delas guardando segredo que será oportunamente revelado. A terceira parte corre por conta do narrador que vai alinhavando toda a trama do romance, e para o qual “coisa alguma é o que parece ser”. Já numa parte à parte (ou quarta parte), ganha autonomia narrativa um suposto cortador de hóstias, molestador de garotinhas e que, em depoimento ao delegado, busca inocentar-se do crime de morte das crianças. Inocentes indefesas, que teriam sofrido abusos nos fundos escuros da bestialidade, onde o vulto monstruoso insinuava-se à luz de lamparina.
Assim, “O Cortador de Hóstias” constitui um quebra-cabeça de variadas visões, e nele o escabroso se abre com um cheiro de querosene (a lamparina), frutas em decomposição e odor de chiqueiro. Ao longo do romance, vão se folheando abusos sexuais cometidos pelo cortador de hóstias contra meninas negras, abobalhadas, com algum defeito físico, abandonadas pelos pais ou vendidas para serem exploradas sexualmente. Assassinato de crianças e até um incêndio na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, como realmente ocorreu, em data mais recente, em Pirenópolis. Há no livro messiânicas religiosidades e intentos de suicídio coletivo por parte do reverendo, meio que ao modo de Jim Jones, na década de 1970, na Guiana, próxima à fronteira com a Venezuela — e seria por aqui, talvez (não por Flor Maria), o avesso dos objetivos de Santa Dica, a Benedicta de Lagolândia, um povoado de Pirenópolis. E o romance revela, finalmente, uma Flor Maria que, dada como morta, retorna, vinte anos depois, para se vingar. Mestria de Clara Dawn.
Por sua vez, “O Cortador de Pedras”, de Camilla Läckberg, se abre com a morte da menina Sara, que um pescador de lagosta descobre ao puxar sua rede com a pesca do dia. O suposto afogamento acidental, no mar, cai por terra quando a autópsia revela que a água encontrada no corpo da menina não é salgada e possui traços de sabão, o que leva a suspeita de um assassinato em Fjällbacka. Adiante, se descobre que Sara foi criminosamente afogada na banheira de sua casa, inclusive sendo forçada a engolir uma certa quantidade de cinzas. Coisa macabra, pois se trata de cinzas dos mortos, de pessoas assassinadas pelo principal suspeito, e pelo mesmo carbonizadas numa casa propositalmente incendiada. Similitudes elementais, como se vê, entre um romance e outro, além da proximidade de datas em que ambas as tramas se iniciam: em 1924, os fatos do romance de Camilla; em 1918, os fatos narrados por Clara. A exemplo, enquanto no romance da autora sueca se fala de uma reveladora caixa azul com as cinzas dos mortos, no romance de Clara Dawn há uma caixa de cartas, entre elas um envelope carmim com a carta secreta e reveladora. Coisas assim e algo mais, comparativamente paralelas.
Ao fim, longe de nós o intento de subestimar (antes, atestar) o dom de Clara com a literatura, autora e obra que temos em boa consideração, e podendo até que, a outros pretextos, só estejamos aqui a nos exibir (ah, meu Deus, outro conto de sapinho?) como leitores inveterados e atentos. Aos críticos e teóricos do assunto, a tarefa da análise aprofundada e o abalizado esclarecimento. A nós, particularmente, que transitamos mais pela superfície da matéria, e antes alicerçados na diferença do que nas supostas ressonâncias, nada temos que desabone “O Cortador de Hóstias”, o qual realmente apreciamos e cuja leitura recomendamos. Leiam o novo e envolvente romance de Clara Dawn.
Valdivino Braz é jornalista e escritor.

Clara Dawn e o assombroso 'gran finale' em O Cortador de Hóstias - Por João Cezar Pierobom


Assombro. É o gran finale. Um tutti em que, na música, todas as vozes, ou linhas melódicas, se ajuntam, ou todos os instrumentos entram para que, na cadência final, tudo se acabe e o silêncio nos toma, como que desprevenidos, com a respiração retida. Mas que, nesse livro de Clara Dawn, nesse O Cortador de Hóstias, onde o profano submete o sagrado, parece não ter fim, como o acordar de um sonho que nem é sonho e nem é realidade. E fica-se, sentado no leito, a indagar para a escuridão, o que foi fantasia e o que foi a vida mesma na sua concretude cruel. Aparência ou verdade? Vai se saber...

A obra mais se assemelha a uma fuga, em moto perpetuo. Seria nos moldes da Arte da Fuga de Bach? Será? Dúvidas não nos vão faltar, como nos intrincados contrapontísticos bachianos que, geniais, tiram beleza da complexidade, ou de um aparente tumulto. E destarte vai o narrador, como sujeito elíptico, desenvolvendo a narrativa em ‘primeiras pessoas’, como se fossem linhas melódicas unindo-se e se separando, tendo ao fundo uma ‘terceira pessoa’, o narrador que, vez por outra, como uma espécie de corifeu, ‘pula para dentro do drama’. Entretanto, não vai passar despercebido ao leitor atento que uma das ‘primeiras pessoas’ é justamente o cortador de hóstias. E a sua história é uma espécie de baixo continuo, um pedal de órgão, aquilo que em harmonia dá substância aos harmônios, sons que são ‘irmãos’ ou ‘primos’ de dados sons fundamentais. E isso, por certo, funciona, como uma espécie de leitmotiv, motivo central, que trabalha dando unidade à obra. A voz do cortador de hóstias vai como que costurando a trama polifônica do conjunto de vozes em ‘primeiras pessoas’.

Não é fácil escrever um romance, ou conto, em ‘primeira pessoa’. Essa forma traz, por vezes, dificuldades. Como tratar sentimentos, ou impressões, de ‘outros’, que não o narrador, em ‘primeira pessoa’? Mas Clara Dawn resolveu o problema narrando em diversas ‘primeiras pessoas’. O que contribuiu, como forma polifônica, para a densidade da exposição.

Balzac e Stendhal, quando precipitam a trama dramática, “não param nem para colher uma florzinha, na beira do caminho”. Não há pausa possível. O fôlego é retido. Não se olha para trás, nem para admirar a paisagem, ou para se ver longe o horizonte. Nada. Os passos são imperativos. A imagem não é minha. Confesso que, uma pena, perdi a referência. Eles vão como os rios tumultuosos que descem as montanhas, levando tudo de roldão pela frente. Balzac o faz geralmente após os seus coups de théatre, as reviravoltas que mudam o curso, o ritmo da narrativa e... os destinos das personagens.

E em meio a esses destinos está a condição da mulher, tema que funciona como uma espécie de argamassa que cola os lindos pedaços de vidros multicolores de um vitral caleidoscópico, que joga a sua luz, que vem do sol, nos espaços escuros das catedrais. Partes soltas de cores que são como que unidas pela beleza, ou amor, que  derramam o seu calor sobre lajes cinzentas e frias. Ali está a brutal desigualdade que ainda imperava, entre nós, mesmo nos princípios do século XX. Mulheres vendidas por pais. Às vezes por eles abandonadas. Qual a diferença? Jogadas no mundo da existência. E aí? O que lhes restaria senão o corpo frágil? Um corpo seu? Será? Para se dizer o menos. Por séculos, as mulheres, inclusive as belas, por mais razões ainda, foram usadas para selarem alianças de dinastias entre reis coroados e senhores da guerra. Interesses de Estado. Que o diga Henrique VIII da Inglaterra. Uma democrática Inglaterra que somente em 1918 iria reconhecer o direito das mulheres ao voto. Por aqui, isso se daria, não muito mais tarde, em 1932. Se o mundo era ruim, que o digam os homens...

O Cortador de Hóstias conta a história, algo trágico, de uma dessas mulheres. Cecíla Meireles dizia que cantava porque existia e porque era poeta. Cora Coralina cantava dizendo que os seus versos tinham o peso do machado. Nhanhá do Couto encheu os nossos gerais e veredas com a música do seu piano francês trazido para Goiás em carro de bois. Belkiss Spencière e Glacy Antunes continuaram a sua obra, ensinando os jovens, e inundando a nossa Goiânia com a música dos grandes mestres. Aqui... aqui mesmo, nas quebradas da Grande Floresta. Elas deram o seu recado. O de Clara Dawn também está dado.

Mas, e o assombro? E o gran finaleO assombro aparece após o penúltimo, e grandioso, coup de théatre. O rio tempestuoso da narrativa leva margens, pedras, matacões e troncos nos seus rodamoinhos. E, num repente, estamos extáticos como no fim do Grande Sertão – Veredas de Guimarães Rosa, ou do fecho de O Tronco de Bernardo Elis. A respiração está retida. Assim mesmo como ficavam os assistentes de Romeu e Julieta, e de Otelo, de Shakespeare, no Globe Theatre, em Londres. Descobrimos, então, a verdade do que dissera o desesperado e impotente Marke, em Tristão e Isolda, de Wagner: “o mal anda mais rápido do que o bem”.


No último golpe de teatro, um verdadeiro deus ex-machina, que parece, não descer dos céus, mas, provir do inferno, na voz do corifeu, não sabemos se estamos diante do sonho, da fantasia, da loucura, da quimera, ou da nua e seca realidade. Onde estariam as fronteiras disso tudo? E o tempo? Qual seria o tempo? As aparências tomam conta do real? Elas seriam a verdade? Mestre de palco! Pano de boca!


A Tinta Infernal de Clara Dawn - Por Mário Jorge Bechepeche


A Tinta Infernal de Clara Dawn - Por Mário Jorge Bechepeche




Em Clara Dawn não se exaurem nunca as modulações e acrobacias transformistas que dão ao texto um revoante cenário de abstrações e múltiplos rituais expressionistas.

Na abrangência generalizada de suas publicações anteriores, rastreiam-se conotações que podemos alinhar em itens que vinham aflorando em crônicas e romances: capacidade ilimitada de reformular a estrutura convencional de muitas figuras de estilo, como faz com a metáfora, amplificando-a linguisticamente.

Dessa maneira comparativa entre duas palavras, como é a forma usual, ela cria primeiramente um enovelado de ideias que levam o leitor a sugestões e expectativas de inúmeras imagens já admitidas antes como definitivas em suas intenções sugeridas, mas o arremate do texto, em contraponto a tudo que se estabeleceu, culmina num fecho de ambivalência, de paradoxo surreal, às vezes levando, isto sim, o leitor a um solilóquio desconcertante e inusitado.

A versatilidade, que é o seu fundamento principal e que resultaria na pletora mirabolante de estesias em “O Cortador de Hóstias”, irrompe também adotando Chaplin como símbolo e patrimônio canônico de arte trêfega e multivária.

Passa sua prosa nos moldes de narração contrapontista e de incursões incompletas definidas de um romance entre ensaísmos literários de psicologia, mesclado de lances policialescos figurados. Atenta-se que este gérmen, agora em afloramento, geraria um fantástico e inédito (na literatura brasileira) parâmetro literário, como foi criado em “O Cortador de Hóstias”.

Clara Dawn tem a primazia do circunlóquio elaborado com exclusiva chancela pessoal, que se distingue, neste item, de Joyce, Proust e Virginia Woolf (aproximação, aliás, elegantemente expressa em “Um olhar estrangeiro sobre a obra de Clara Dawn”, na crítica hiperconsciente de Fátima Santana (Portugal) e endossada por Reynaldo Jardim, que a nomeou como a Clarice Lispector de Goiás. Isto porque a incursão desses fatores na técnica de monólogo interior em 1887 com “Les lauriens Sont Coupés”, em Joyce, por sua impetuosidade criadora, se faz em torvelhinho de entrechoques fráseos, em Proust, se conduz o fluxo subjetivista dentro da caixa craniana do leitor e em Virginia Woolf os objetos se pulverizam em abstrações da sentimentalidade.

Já em Clara Dawn, esta escrita automática é revestida de outras dimensões que a formam e a fazem rica de facetas porque a autora converge na sua trama, com sutileza de prestidigitadora, arrebanhamentos e fractais, como se transplantados e arrolados de outras fontes, além de evolver a narrativa também em contrapontos, os quais ainda resultam em efeito que será focado mais adiante, criadores de uma característica literalmente inédita na ficção policial. É óbvio, ainda, que a criptografia é da essência subjetivista desse fluxo de pensamento que ,assim condimentado por todos esses ingredientes em fusão no texto, personalizam a exclusiva modulação estética de Clara Dawn. Aliás, salta aos olhos a reformulação estilística a que se obrigou com a faiscação merídia da linguagem em processo de eurritmia da frase, no cadenciamento da sonoridade vocabular pelo repique fonemático de feliz harmonização, construindo-se um dos esteios de estilização em um texto que usa uma estrutura estetizante múltipla de facetamentos. Estes, por exemplo: nas páginas 15 e 46, a fusão do imagético ao organoléptico aromático consegue aquela proeza que Manuel Bandeira fazia recender em seus poemas, que, segundo Agripino Grieco, tinha o cheiro de carne feminina. Na página 25, usufrui da oralidade goiana e cria um capitoso naco escritural que nada deve aos soberanos e insuplantáveis textos de Bernardo Élis.

O realismo fantástico que repercute ao longo do romance ganha matizes dissímeis do modelo clássico. Este, geralmente, em fantasias lantejouladas e alegorizadas, mas quase sempre narradas somente pelo autor. Enquanto que “O Cortador de Hóstias” revela um tríplice artesanato de acrobacia escritural: o autor, um narrador e a própria personagem incrivelmente tramam o texto. Não há como não dizer uma genialidade arisca e esquipática de Clara Dawn... pois consegue esta mixagem com um conglomerado de fundamentos da estilística: torvelinha a linguagem e as imagens, surde criptografias e técnica operatória, desata o fluxo de consciência libertária libertina por uma escritura com e sem sequência (contrapontos), fragmentária e interrupta, encadeando o natural com o sobrenatural etc. etc.
Entretanto, não é só este aspecto remodelador do tipismo padrão do realismo mágico que a maleabilidade transliterante de Clara Dawn irradia: também comparece o caráter clássico desse cânone estético nas páginas 23, 49 e 50 (alguns exemplos são Balzac, Erico Curado, Veiga Vale, aqui respectivamente tornados ficção), além disso ainda ressoando características que o universo inesgotável do realismo fantástico propicia, a descrição em que aparece o natural difuso no sobrenatural compõe imagens de martírio rembrandtdantes nas páginas 40 e 57, sendo esta última um medalhão surrealista em pavor e tintas infernais a la Dante Alighieri.

Nem o ensaísmo literário faltou no elenco de simbolizações, uma vez que “O Cortador de Hóstias”, a partir da página 110, ensancha a dolente atmosfera do romance para focar o patrimônio histórico de Pirenópolis. É óbvio que o livro não é um gênero literário do tipo romance policial. Contudo, pelo seu excepcional dispositivo temático-escritural, pelas ações esquipáticas da personagem central, pelo eixo contrapontístico dos capítulos (o que é o suporte fundamental do policial legítimo), indo tudo confluir em desfecho típico de estrutura detetivesca, compulsa uma fantasmagórica encenação de sherlockismo estético que nos leva a afirmar que Clara Dawn criou o policial mental. Neste torvelinhoso painel imaginário de “O Cortador de Hóstias”, a ascensão estilística atinge várias vezes a dimensão de página antológica com sagaz paleta descritiva de paisagem feérica em ouro e luz... e Clara Dawn fulgura incontestavelmente como consagração de primeira linha na ficção nacional.
Mário Jorge Bechepeche é médico e crítico literário. 



Lançamento do romance O Cortador de Hóstias – da escritora Clara Dawn




“O Cortador de Hóstias” é o oitavo livro da escritora Clara Dawn*, sendo o terceiro na categoria romance.


 É ambientado em Pirenópolis, Goiás, em 1918, e a história é contada por três narradores-personagens e um narrador-observador.A trama se divide em quatro partes: a primeira se desenrola segundo a visão da protagonista, a vingativa Flor Maria, possuída pelo ódio por causa dos abusos sexuais sofridos na infância. Ela elabora um plano para matar o seu algoz.
A segunda parte é epistolar, na qual o personagem Venceslau escreve cartas, jamais enviadas, para sua amada morta. O “reverendo Vence” é seguido por um grande séquito que o adora e é por ele adorado, mas até mesmo no paraíso há serpentes. 
A terceira é a narrativa do observador, aquele que julga os atos dos personagens segundo a influência que cada um deles sofre. É possível que o narrador-observador possa também se emocionar e se injuriar, precipitar-se e até mesmo enlouquecer diante das premissas dadas, perdendo-se, assim como os personagens, entre realidade e divagações. Para o narrador-observador, coisa alguma é o que parece ser.
A quarta parte é descolada das narrativas: o suposto cortador de hóstias, num diálogo invisível com um delegado, tenta justificar seu estranho hábito de bolinar garotinhas. 

Trata-se de um romance envolvente repleto de mistérios, suspense e até momentos que vão do hilário ao desconfortável em mais de um sentido.  Reflete a influência do sincretismo religioso vigente na época e das lendas da história de Pirenópolis. A personagem principal é uma espécie de Santa Dica às avessas. Em todo o processo narrativo, é possível encontrar traços da Prima Bete de Honoré de Balzac. Até mesmo os nomes da maioria dos personagens são tributos ao escritor francês, como o cavalo Melmote Apaziguado, o mendigo Onagro e a cafetina Valéria Marnefe. 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Clara Dawn, a double-face da crônica – Por Celso Moraes


Eis-me aqui para felicitar Clara Dawn por seus textos bem urdidos em Sofia Búlgara e Tabuleiro da Morte, livro de crônicas publicadas no DM Revista do Diário da Manhã. Engraçado que, à medida que vou escrevendo cada vez menos meus próprios textos – e sei que longe não está o dia em que cessarei por completo minha produção, por pura falta de resposta à pergunta “Para quê?” –, vou lendo cada vez mais os de Clara Dawn. E gostando. Creio que, na linha imaginária do tempo que tudo destrói, meu fim se entrelaçará à sua continuidade. Que seja.
   
Vamos às crônicas. Gostei imensamente de “O Chaplinesco”, o início “Perto, muito perto”, numa resposta ao clichê do “longe, muito longe”, tão comum e cansativo dos contos de fadas. A descrição minuciosa do cenário faz com que a gente “veja” o vilarejo com os olhos de nossa mente, e chegamos a acreditar – mercê do pacto de leitura – que tal lugar existe. Um lugar de antíteses, expressas aqui e ali, como na expressão “esgoto adentro e rio afora”.
 Interessantes as palavras derivadas do nome do criador do imortal Carlitos. O adjetivo “chaplinesco” e o verbo “chaplinescar” trazem à memória o andar bamboleante do inesquecível personagem, e eu cheguei mesmo a “vê-lo” na inglória luta com a sua sopa de sapato.
   
Singular vilarejo, que se permite o luxo de ter uma mini réplica da igreja parisiense de Val-de-Grâce; imagine-se a quietude e a tranquilidade desse lugarejo, um verdadeiro Vale da Graça, que só não é perfeito, apesar da ruína, porque ali “sempre chove”.
   
Trata-se de uma crônica/conto em que, mais importante que a ação, é fundamental a descrição do panorama e a construção psicológica dos personagens. O pedinte que “não usava botas de borracha e tampouco possuía um guarda-chuva” é um primor de criatividade, sentado na calçada a filosofar com a propriedade de um Rousseau. Seu vocabulário, erudito e rico, contrasta com a ideia que se tem de um mendigo interiorano. Mas, a bem da verdade, aqui mesmo em São Luís de Montes Belos há um sujeito maltrapilho que vaga pelas ruas e discorre com propriedade acerca de assuntos complexos, e outro que, a par de vender certo produto alimentício, aparentemente é um expert em Química, sabendo de cor a tabela periódica (!). Vida imitando a arte, e vice-versa.
   
O fecho do texto, o diálogo à primeira vista pleno de nonsense, encerra de forma incisiva o texto, deixando o leitor comum a se perguntar “que parte eu não entendi?” ou mesmo “há algo mais para se entender aqui?”.
    
Sobre o texto “A sombra da hora doze”, começo fazendo uma observação que, para os não-iniciados, poderia parecer estranha ou pouco lisonjeira, mas que é justamente o contrário: o título me lembrou o de um filme de terror, “A hora da zona morta”. Ocorre que o filme é um clássico, eu o adoro e revejo de vez em quando, e acho o titulo uma das melhores sacadas de todos os tempos em termos de títulos fílmicos. Ou seja, é o meu jeito torto de dizer que adorei o título dado por Clara àquela crônica tão intimista. Intimista porque trata de um momento pelo qual a gente passa e que encerra tanta ternura (e, não raro, sofrimento): remexer guardados, tranqueiras, velhas fotos. Identifiquei a “Tatá, tão pequenina, gorda e bochechuda”, na Thálita Miranda, hoje linda e certamente dona de uma personalidade interessantíssima, tendo puxado a mãe. Já do “Tuco”, o Arthur, não dá para não gostar de um cara que, em garoto, soltou pipas e as achava “a coisa mais linda do mundo”.
   
Há coisa de uns dois meses, fui dar uma arrumada nas minhas bagunças e dei de cara com um maço de cartas e cartões, amarrados com uma fita vermelho-paixão. Abri e me senti mal, ao mesmo tempo em que me senti bem e, ainda simultaneamente, engasguei com um bolo invisível na garganta. Eu que quase nunca choro, às vezes choro fácil demais.
   
Eram cartas e cartões de minha ex-esposa. A maioria, declarações de amor. Da maioria, eu nem lembrava. Nós dois, que acabamos por nos desamar aos poucos, será que realmente nutrimos tamanho sentimento, que ex colocou em palavras de forma tão espontânea? Uma delas chamou a minha atenção: depois de dizer que outras palavras seriam inúteis para expressar seu sentimento por mim, escreveu “eu te amo!” mil vezes (!), de forma manuscrita, uma a uma! Como pode ser que hoje não signifiquemos nada além de sócios na paternidade/maternidade de nossos filhos? Como mudamos tanto?
   
O que eu quero dizer com isso é que o texto “A sombra da hora doze” mexeu comigo. É isso, um texto literário deve inquietar o leitor. Obrigado, Clara Dawn por tê-lo escrito. Sobretudo o trecho “Como, pois, conceberemos a felicidade? Uma vez que esta se revela, tal qual a sombra da hora doze, e por estarmos sobre ela, nunca a enxergamos?”
   
Na crônica “Os gonzos do mundo”. Gostei do título. Mas, confesso, à medida que prosseguia a leitura, nas duas primeiras colunas, fui me desiludindo. Não gosto de chuchu – como “gostar” do que não tem gosto? Até etimologicamente é estranho. E, decididamente, a ideia da velhice se me afigura como o maior dos terrores. Algumas palavras, como a que Clara usou, “flácida”, levantam um vergão metafórico no meu rosto como se fossem chicotadas simbólicas. Aquela que foi uma das mulheres mais belas de nosso país, Tônia Carrero, disse que “a velhice é a prova maior de que o inferno existe, e começa aqui mesmo”. Concordo. A velhice me assusta. Mas a alternativa é igualmente aterradora. O antídoto para o envelhecimento, morrer jovem, nos priva de tanta coisa, mas, por outro lado, eterniza a pele livre de rugas e flacidez. Escrevo olhando para um pôster enorme de James Dean, na minha parede. Ele se foi jovem, deixou três filmes que viraram clássicos, e permanece na lembrança dos fãs como um eterno garoto. Rebelde, arrogante, belo e nem um pouco fã de tomar banho (será moda? Antonio Banderas, dizem, segue a mesma linha...).
   
Mas voltemos ao texto. O chuchu (ainda estava na segunda coluna) me desgostou a ponto de me fazer perder o apetite pelo bolo de fubá e pelo pão de queijo sobre a mesa descritos mais adiante na mesma crônica. Mas então, pelo menos para mim, a salvação veio na terceira coluna, com as divagações acerca da teia de aranha. Que figura, a teia! Trabalhei essa imagem em Filosofia com meus alunos, e é inesgotável o que se pode tirar dela. Para aumentar meu interesse, percebi uma palavra usada por Clara em nossas correspondências pessoais – “intencionalidade” – e a leitura se tornou, de súbito, prazerosa.
   
A quarta coluna já dá a dica de que algo não está certo, com a plantação sem cuidador. Mas, e Dona Penélope? Com cuidado, continuei a ler, detendo-me em cada palavra, virando-a do avesso, olhando embaixo dela, como quem busca uma nuance a princípio despercebida num objeto tridimensional. O verbo “vampirizar” fez correr pelo meu corpo uma descarga de agradável eletricidade emocional, os vampiros são as criaturas que eu mais amo, entre as supostamente fictícias. A sugestão de que Dona Penélope estaria “desatenta” revela que há algo mais ali. E, então, a gente descobre a razão de ser daquela crônica.
   
O Narrador não chorava pelo inseto acasulado. Tampouco chorava pela avó que se fora. Não choramos pelos defuntos que em vida nos foram queridos, no final das contas. Penso que choramos por nós mesmos, por nossa solidão, por estarmos presos a esta vida enquanto eles foram singrar os mares inefáveis do infinito. Na verdade, choramos mais por egoísmo do que por qualquer coisa. Parabéns, Clara Dawn, também por esse texto que só revela a verdadeira “intencionalidade” na última coluna, disfarçado entre insípidos chuchus e pés de arruda.
   
Na crônica “Não recebo mais visitas” de início, fiquei na impressão de se tratar de um amor, mas imediatamente me dispus a não cair nas armadilhas de Clara! E os olhos verdes remeteram-me de imediato ao verde daquele papagaio de outra crônica dela. Fiquei entre achar que se tratava de um homem ou de um bicho.
   
Mas conforme a leitura avançava, fui me convencendo de que se tratava de um macho da espécie humana. Clara soube me despistar, eu que já me encontrava na pista certa. Coisa de escritora que sabe o que faz. E quando ela disse que ele se sentou num canto da praça, visualizei a imagem de um sujeito de pele clara e olhos verdes sentado no banco da tal praça, sem que me ocorresse que ele estar sentado no canto da praça não quer dizer, necessariamente, que ele está sentado num banco! Caramba, ela me pegou, no final das contas ela me pegou...
   
No fim, não era um papagaio, nem um homem, mas um pit bull de nariz vermelho, que já virou marca de roupas e acessórios e capas de caderno. Entrego os pontos, pode abrir a champanha, Clara (ou o champanhe, champagne, como queira). Venceu-me, com sua pena oblíqua e dissimulada, como diria o Bruxo do Cosme Velho. Descobri que gosto mais do seu estilo do que achava que gostava. Gosto de ser surpreendido. Até mesmo enganado, no bom sentido. Gosto de te ler.
   
Em suma, faço como nosso saudoso Reynaldo Jardim: comparo Clara Dawn à imortal Clarice, mas principalmente pelo hermetismo. O que ela quis dizer, ou disse em Sofia Búlgara e o Tabuleiro da Morte? Eu interpretei de duas formas: uma, universal, dirigida a toda a Humanidade, e outra, lispectoriana, direcionada apenas a quem se sabe destinatário de cada crônica. E não sei se alguma dessas interpretações é correta, ou ambas, ou nenhuma. Mas gostei muito. Até aqui, tenho gostado de cada coisa que Clara Dawn escreveu. Agradeço pela oportunidade de ler essa autora e tecer modestas considerações acerca da mesma. Longe de mim fazer um arremedo de crítica literária, são meramente opiniões de um leitor “paisano” e encantado.

*Celso Moraes é professor de Língua Portuguesa na cidade de São Luís de Montes Belos